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20 DE NOVEMBRO DE 2023
Audiência pública: garantia de titulação de terras assegura direito de quilombolas
Os assassinatos de quilombolas, entre 2018 e 2022, somaram 32 ocorrências, conforme registrou a pesquisa “Racismo e a violência contra quilombos no Brasil”. O levantamento, elaborado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e a organização Terra de Direitos, foi apresentado na sexta-feira (17/11), durante a segunda parte de audiência pública realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O evento reuniu representantes da sociedade, tanto de comunidades quilombolas, como entidades de direitos humanos, e especialistas no tema para aprimorar a atuação do Poder Judiciário no tratamento de demandas envolvendo direitos de pessoas e comunidades quilombolas. Os trabalhos foram conduzidos, no período da tarde, pela juíza auxiliar da Presidência do CNJ Karen Luise Vilanova Batista de Souza.
De acordo com o coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo, o estudo identifica e analisa as violências que acometem quilombolas em todo o país. Quando comparado à primeira edição, referente ao período de 2008 a 2017, a média anual de assassinatos que era de 3,8 passou a ser de 6,4 assassinatos ao ano. “O número representa quase o dobro da média anual de assassinatos do levantamento anterior”, frisou Frigo. Ele ressaltou que a garantia do território é essencial para amenizar a violência resultantes de conflitos fundiários. “A titulação é um primeiro passo no combate às violências”, reforçou.
Esse também foi o ponto principal abordado pela maioria dos mais de dez participantes da audiência coletiva na parte da tarde. Eles defenderam a regularização fundiária dos territórios e a defesa jurídica dos processos envolvendo conflitos quilombolas. Porém, avaliam que falta sensibilidade do Poder Judiciário para lidar com as causas quilombolas
Para a representante da Conaq, Antônia Cariongo há desrespeito à legislação, em especial à Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A mesma opinião foi compartilhada pela defensora pública de Minas Gerais Raquel Aparecida de Aguiar Passos e pela advogada da Associação Quilombo Kalunga, Andrea Gonçalves Silva. O normativo internacional, entre outros pontos, defende a importância de haver consulta livre e prévia sempre que alguma obra ou ação afete aos povos tradicionais.
“Não há como falar em posse, propriedade, titulação de território sem respeitar a autonomia do quilombo, sem conhecer a relação de pertencimento que cada quilombola possui com o seu território”, defende Antônia. Ela afirmou ter testemunhado “falas extremamente preconceituosas de juízes que se recusam a reconhecer a comunidade como quilombola nos autos, ignorando o direito a autodefinição”. Ela reforçou que, após 35 anos da Constituição Federal, “nenhum quilombo tem acesso livre à totalidade de seus territórios”.
Nesse sentido, o representante da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos, Carlos Roberto Pereira da Conceição, destacou a demora da solução de ações judiciais que envolvam questões quilombolas. “Quando não há andamento, acaba favorecendo nossos adversários que lutam para tomar nossos territórios. Há casos que ganhamos a liminar para retirada de invasores, mas a decisão judicial não é cumprida”.
Ele aproveitou para informar que o território quilombola kalunga reúne 262 mil hectares, com 39 comunidades, 8,4 mil pessoas, sendo 1,7 mil famílias. “Temos mais de 300 anos de existência desse povo nesse território, mas temos apenas 10% da área que é nossa, a maioria é do Estado e está como terra devoluta, sendo ocupada por invasores e grileiros” reclamou.
Trabalho acadêmico
José Maurício Arruti, da Universidade de Campinas, trouxe resultados do seu trabalho acadêmico que interpreta a relação do povo quilombola com a Justiça, marcada pela desconfiança, já que os operadores de Justiça, “muitas vezes atuam como legitimadores de violência em desapropriações sofridas”. Ele defendeu, entre outras iniciativas, a formação de agentes comunitários quilombolas para atuarem como mediadores entre conflitos locais e o Sistema de Justiça. Da mesma forma, defendeu que o Judiciário amplie a formação dos seus quadros para que dominem conteúdos exigidos no trato com a diversidade social e cultural.
O defensor público federal José Roberto Fani Tambasco, que é representante do Grupo de Trabalho Comunidades Tradicionais da Região Sudeste, enfatizou a necessidade de respeito aos direitos dos quilombolas, como saúde, educação diferenciada e direito previdenciário. “É preciso que os integrantes do Poder Judiciário tenham mais conhecimento da realidade das comunidades quilombolas rurais para que os processos andem mais rápido”, afirmou.
Leia também: Para representantes de quilombos, falta do reconhecimento do direito à terra gera invisibilidade social
A representante de comunidade quilombola do município de Januária, em Minas Gerais, Maria das Dores Pereira da Silva, aproveitou o espaço para denunciar conflitos que enfrentam com o poder público municipal. “Não temos direito à água potável, luz elétrica e saneamento”, informou.
Essas mesmas dificuldades foram reportadas pela presidente da Associação dos Quilombolas da Fazenda Retiro, na Bahia, Sandra Mendes Ferreira. “É um desacato o que enfrentamos, quando chegam invasores dizendo que são donos da terra onde estamos, quando nós somos os fundadores daquele quilombo”, disse. Ela defendeu a edição de lei para que os municípios abracem suas comunidades quilombolas, “que contribuem para a economia da municipalidade”, enfatizou.
No caminho inverso do descumprimento de direitos, o promotor Haroldo Paiva de Brito, da 1ª Promotoria de Justiça de Conflitos Agrários do Maranhão, lembrou que atua na pacificação do campo. Ele sugeriu que o Poder Judiciário, a partir do CNJ, oriente a magistratura, para que acordos ou reintegrações de posse não sejam feitas com terras de grilagem, por exemplo. “Os proprietários, a parte autora, devem juntar aos autos a cadeia de domínio da área para evitar indício de fraude”, alertou.
As políticas para quilombolas foram apresentadas pelo representante do Ministério da Igualdade Racial Rozembergue Batista Dias, que é quilombola. Entre as principais ações iniciadas a partir desse ano, ele destacou a criação de uma agenda nacional de titulação e a construção de uma política nacional de gestão territorial e ambiental quilombola. “Esses dois objetivos são cruciais para o processo de pacificação nos territórios quilombolas”, ressaltou.
As contribuições recebidas serão analisadas e incorporadas às propostas e aos estudos a serem apresentados ao Plenário do CNJ, com sugestões de encaminhamentos.
Reveja a audiência pública no canal do CNJ no YouTube
Texto: Margareth Lourenço
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias
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